Recentemente o Brasil foi palco de uma das mais belas páginas da história do movimento estudantil. Indignados com as condições precárias das redes estaduais de educação, vivenciando uma atmosfera de resistência frente ao flagrante e notório golpe de Estado que criou o monstruoso e ilegítimo Governo Federal de Michel Temer, estudantes secundaristas tomaram suas escolas, e por semanas ocuparam esses prédios, transformado-os em verdadeiras escolas de luta.
A onda das ocupações começou em São Paulo devido a absurda ideia do Governo Alckmin de fechar escolas no mal explicado processo de “reorganização escolar”. Não bastasse o sucateamento imposto pelos tucanos há décadas na educação paulista, Alckmin resolveu decretar o fechamento de escolas deixando estudantes em completa desgraça social. Mas a resposta da galera foi muito rápida. E o lema “não feche a minha escola” massificou, centenas de escolas foram ocupadas, o secretário estadual de educação pediu demissão, e a “reorganização escolar” foi engavetada. Para piorar a vida de Alckmin, a máfia da merenda foi descoberta. E o movimento estudantil organizado ocupou a ALESP (Assembleia Legislativa de São Paulo) exigindo a CPI da merenda, que embora não tenha grande valor prático, pois quem julga a CPI é amigo de quem é julgado, tem na prática muito valor simbólico de desmascaramento do podre governo tucano.
Em seguida, e com relativa concomitância, foi a vez dos secundas do Rio de Janeiro mostrarem seu valor no combate ao governo Pezão/Dornelles, governo que não paga os salários dos servidores públicos há muito tempo. A greve dos professores ajudou a impulsionar a ampliação das ocupas no Rio, que ganharam um gás maior quando a Secretaria Estadual de Educação foi tomada. E mesmo com debilidades organizativas, inúmeras divisões e intensa repressão policial, os secundaristas do Rio tiveram importantes vitórias desmantelando o falso sistema de avaliação estadual das escolas (SAERJ) e garantindo a aprovação do projeto de lei das eleições diretas para diretoria das escolas.
Outros estados brasileiros também tiveram ocupações estudantis. Particularmente, a Ação Libertadora Estudantil teve maior participação nas ocupações do Rio Grande do Sul, onde temos mais organicidade militante no movimento secundarista. As escolas gaúchas começaram a ser ocupadas pela necessidade de manter sintonia com o movimento nacional de defesa da educação e pelo apoio irrestrito às causas dos professores, que tinham acabado de entrar em greve por decisão do sindicato CPERS. Embora não tivesse inicialmente uma palavra de ordem que unificasse e mobilizasse facilmente, como foi em São Paulo com o “não feche a minha escola”, logo durante a primeira semana de ocupações ficou claro aos estudantes gaúchos a noção de unidade em torno da luta contra o sucateamento da educação, contra o parcelamento do salário dos professores, contra o PL 44 (projeto de lei que privatiza a educação, saúde, segurança e outras importantes áreas sociais), contra o PL 190 (projeto de lei que proíbe debates políticos em salas de aula tornando as escolas ambientes fascistas), e pela convocação imediata de novos professores concursados a fim de que não falte corpo docente nas escolas. Dessa forma, as escolas gaúchas foram ocupadas quase em sua totalidade. O interior do RS mostrou sua força, a região metropolitana e principalmente Porto Alegre também. Não demorou muito e o Governo Sartori já não sabia mais o que fazer. O movimento afinado nas pautas cobrava uma resposta do Governo, que por sua vez negava o recebimento dos estudantes.
Depois de semanas de ocupação, depois de muito apoio da comunidade escolar e da grande população, depois de muita resistência no inverno gaúcho e resistência contra grupos reacionários violentos contrários às ocupações, a gurizada de luta foi recebida pela Secretaria Estadual de Educação. Começava a nascer uma das mais importantes vitórias do movimento estudantil secundarista do Rio Grande do Sul. O Governo Sartori, totalmente perdido e desorientado, ofereceu 40 milhões de reais em repasses diretos às escolas, mais o estabelecimento de uma comissão fiscalizadora desses recursos que seria composta por estudantes, e mais a convocação imediata de novos professores. O discurso de que o Rio Grande do Sul estava quebrado, de que não tinha dinheiro para nada, enfim, estava sendo abertamente desmentido pelo próprio Governo Sartori. Foi só a galera ocupar que o dinheiro apareceu. Na época dessa primeira rodada de negociações, a UGES e a UMESPA – entidades secundaristas estadual do RS e municipal de Porto Alegre – sinalizaram positivamente com o acordo. Porém, verdade seja dita, não aceitaram o acordo. A Ação Libertadora Estudantil, movimento que orgulhosamente constrói ambas entidades gaúchas e ainda constrói a UBES – entidade secundarista nacional -, tomou a posição de seguir ocupando e resistindo até a ampliação da vitória com a derrota dos PLs 44 e 190, bem como até que as pautas dos professores tivessem avanço, pois para gente a luta sempre foi unificada entre estudante, funcionário e professor. Nossa linha de ocupar e resistir para avançar mais sobre o Governo Sartori acabou sendo exitosa e compartilhada por diversas forças políticas.
Entretanto, impulsionados no momento de recrudescimento fascista a qual vivemos, aproveitando-se da criminalização das organizações políticas e da própria luta política, setores do ultra-esquerdismo passaram a denunciar um suposto ato de “peleguismo” das entidades ao aceitarem negociar com o Governo Sartori. A denúncia não era por terem aceitado qualquer proposta, algo que não ocorreu naquela ocasião, mas simplesmente por aceitarem o diálogo. Rapidamente o divisionismo foi institucionalizado com o nome de “CEI – Comando das Escolas Independentes”. E foi propagada a bestialização de que as entidades eram “pelegas” e de que para ser de “luta” era preciso ser apartidário e independente de qualquer organização política ou mesmo estudantil. Além disso, a negação a qualquer tipo de diálogo com o Governo do Estado era uma pregação fundacional desses setores, que acusavam quem negocia de “burocratas” e “aparelhistas”.
Como todo racha, o CEI era um grupo minoritário de baixíssima representatividade nas ocupações. Porém, mesmo tendo relações em poucas escolas, a intervenção denuncista, despolitizada, injuriosa e divisionista fez desse grupo uma minoria barulhenta com alguma significância. Principalmente porque seus atos de divisão e sua proliferação do ódio a quem se organiza politicamente tiveram certo respaldo nas massas. O que é natural, pois vivemos dias de cólera fascista, dias de anticomunismo, de anti-esquerda, e de despolitização massificada. Infelizmente, grande parcela da juventude atual respira a atmosfera pós-moderna da falsa horizontalidade, que tende negar todo tipo de organização, hierarquia e disciplina, e assim ingenuamente acaba preservando a ordem atual, isto é, acaba mantendo a estrutura das coisas como estão, acaba garantindo a continuidade do sistema político e econômico vigente, o sistema capitalista. Então, mesmo que os diretores e as diretoras da UGES, da UMESPA e da UBES estivessem no cotidiano das ocupações, passando frio e necessidades como qualquer estudante que ocupava sua escola, mesmo assim, por serem organizados, aqueles e aquelas estudantes não eram de “luta”. Pois na irracionalidade fascista, basta pertencer a uma estrutura organizativa, seja movimento estudantil, seja partido político, seja entidade representativa dos e das estudantes, que já merece ser rotulado como “corrupto”, “pelego”, “burocrata”, e “traidor”.
Mas como todo racha tem interesse por trás, o CEI também tinha. Com enorme cara de pau, a direção do CEI era composta por militantes de seitas trotskistas, anarquistas e ecléticas, que não eram nem secundaristas, mas manipulavam jovens inocentes de noções políticas puritanas, receosos de cooptações partidárias nas ocupações. O objetivo da direção ultra-sectária do CEI era claro: impedir que as forças políticas que tivessem movimento real com base secundarista conduzissem o processo de lutas. E para conseguir isso, foram executadas táticas rasteiras e fascistas como calúnias, injúrias, ataques pessoais, confrontos físicos, depredações de entidades estudantis, queimada de bandeiras, insuflação de ódio e tudo mais que fizesse sentido na lógica destrutiva da direção desequilibrada, inconsequente e irresponsável do CEI. A brincadeira do divisionismo quase levou ao linchamento de um camarada nosso caluniado absurdamente durante um ato que era para ser “unificado”. Nesse mesmo ato, outra camarada nossa foi agredida por um dos dirigentes do CEI.
Todavia, esse tipo de política rebaixada possui limites. E a grande maioria dos e das estudantes, ocupantes ou não, estava querendo garantir conquistas para suas escolas. O objetivo da estudantada não eram brigas e bagunça “independente”, ao contrário, era vencer o sucateamento da educação promovido pelo Governo Sartori. A divisão do movimento, a desqualificação e o enfraquecimento de suas forças dirigentes e lideranças não interessava ao conjunto dos estudantes. Aliás, a postura doentia do CEI só interessava ao Sartori. Diante disso, uma vanguarda dirigente e plural, composta por diversas forças políticas consequentes, dentre as quais de modo destacado a Ação Libertadora Estudantil, amparadas na disposição das entidades estudantis, instituições de máxima representatividade dos e das estudantes, legitimadas pela história combativa do movimento estudantil e pelo presente com seus diretores e diretoras nas ocupações, tomou a frente do processo de luta definitivamente. Em seguida, nosso movimento impulsionaria a ocupação da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Com essa valorosa ocupação da casa parlamentar gaúcha, os e as estudantes secundaristas avançaram bastante em suas pautas. Além dos 40 milhões de reais, da comissão estudantil para fiscalização permanente desses recursos financeiros, da convocação imediata de novos professores concursados, a gurizada de luta conquistou a suspensão do PL 44, então projeto privatista da educação e demais áreas sociais, garantindo que o mesmo não tramite este ano, e articulou a derrubada do PL 190 ainda na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). O projeto fascista que visa proibir debates políticos em salas de aula está mais do que ridicularizado pelos próprios deputados estaduais. É questão de tempo a sua derrocada. Assim sendo, a ocupação da Assembleia Legislativa, liderada pela Ação Libertadora Estudantil, movimento que não tem tempo para o medo, e por outras forças políticas igualmente construtoras das entidades estudantis históricas, representativas e legítimas, independentemente de serem situação ou oposição às direções dessas entidades, formatou o grande desfecho vitorioso das ocupações das escolas gaúchas. A homologação da negociação com o Governo do Estado do Rio Grande do Sul confirmou a consagração das ocupas do RS.
Mas quem não sabe lutar também não saberia vencer. Isolados, sem qualquer capacidade de intervenção no processo real da luta, afastados do centro político, o racha secundarista, o tal de CEI, resolveu aprontar uma de suas peripécias. Dizendo que a ocupação da Assembleia Legislativa era um ato pelego e que o acordo não os representava, os divisionistas resolveram, em ato de desespero para não desaparecerem na conjuntura, ocupar a Secretaria Estadual da Fazenda do RS. O problema é que pra tudo na vida, principalmente na política, precisa-se de organização. A tática de ocupação não é uma tática simples. Demanda mais do que vontade e coragem, demanda oportunidade política, quantitativo militante e saber conhecer o terreno a ser ocupado. Não se ocupa uma secretaria estadual da fazenda com meia dúzia de gente, sendo a maioria adolescente, alguns dirigentes mais velhos não secundaristas, o que rapidamente poderia ensejar a criminalização da luta por “corrupção de menores” no judiciário burguês; não se ocupa sem clima político para tanto após a vitória de todas as pautas estudantis na ocupação da Assembleia Legislativa do RS, e com a certeza de que se tratando de um prédio do poder executivo direto, o policiamento militar seria acionado com truculência.
Obviamente fomos e somos solidários com todos e todas que foram criminalizados na breve ocupação da Secretaria Estadual da Fazenda do RS. Da mesma forma que fomos, somos e sempre seremos combatentes contra a polícia militar e seu abuso e truculência, mesmo sabendo que esse é seu papel dentro do Estado burguês, qual seja defender os interesses dos ricos e poderosos em detrimento da luta popular. Contudo, transcorrido certo tempo do caso, fazemos questão de publicizar nossa crítica ao ato irresponsável, inconsequente e desequilibrado do racha secundarista, ato que colocou em risco a liberdade de alguns adolescentes, que muitos deles sinceros lutadores e lutadoras certamente terão dificuldade de seguir na luta após a criminalização desnecessária de uma ação mal planejada e mal executada, que foi claramente criada para chamar atenção ao CEI, e retirar o foco da memorável vitória do movimento estudantil organizado com as ocupações nas escolas e na Assembleia Legislativa do RS. Depois de tudo que esses elementos reacionários do CEI fizeram com nossas lideranças secundaristas, fazemos questão de marcar posição sobre o extremo vanguardismo patológico desses setores, que nada ganharam com aquela ação além da criminalização fascista do Estado burguês. Somos solidários porque somos lutadores também. Mas isso não nos impede de denunciar que o divisionismo conduz ao abismo, enquanto a unidade conduz à vitória.
Em seguida, as ocupações foram concluídas nas escolas. Paralelamente, o CPERS avançava com a ocupação do Centro Administrativo do Governo do Estado. E o sentido da luta que sempre será vencer ficava mais claro no sorriso de cada estudante secundarista. Saber lutar é também saber vencer. É também saber que a luta pela educação necessária ao Brasil e seu povo, que a luta pela educação popular, é uma luta de longo tempo, é uma luta de longa jornada. A grande batalha das ocupações secundaristas foi vencida pelos estudantes. Quem perdeu foi o Sartori. E quem perdeu também foi quem apostou no ódio, na divisão, na crueldade das injúrias, na maldade das provocações baratas. O racha secundarista criou todo um caos para negar as desocupações das escolas em primeiro momento, mas depois aceitou sair das escolas com a irrisória garantia de que 5 (cinco) representantes do CEI estariam na comissão estudantil fiscalizadora dos repasses financeiros do Governo às escolas, comissão que já tinha sido conquistada pelo movimento estudantil organizado. Ora, não era mais fácil ter conservado a unidade entre estudantes, e ter pleiteado essa demanda de cinco pessoas na comissão fiscalizadora? Precisava de toda esse guerra para ao término de tudo apenas “conquistar” 5 (cinco) pessoas na comissão, que será liderada pelo movimento estudantil organizado? Seria cômico não fosse trágico.
Não há qualquer dúvida: o CEI, o racha secunda no RS, foi uma farsa do ultra-esquerdismo sectário, que utilizou de táticas fascistas e rasteiras para tentar impedir o crescimento do movimento estudantil organizado e, por consequência, tentar impedir o avanço da luta e as vitórias estudantis. O CEI não tinha nada de independente. Era um racha dirigido politicamente por seitas já qualificadas anteriormente, seitas que possuem medo de apresentar suas bandeiras e dizer os nomes de seus movimentos. Até a pequena base do CEI já começou a perceber isso.
Em todo o Brasil, a falsa polêmica entre estudante organizado e estudante “independente”, “autônomo”, “apartidário”, e “de luta”, permeou o período das ocupações secundaristas. Mas a lição maior das ocupações é justamente a da necessidade de se organizar para lutar. Estudante de luta é estudante organizado. Estudante de luta é aquele e aquela que procura um movimento para participar, para colocar suas ideias, para aprender, ensinar e crescer politicamente. Não se faz política sozinho. Quem faz, mais cedo ou mais tarde vai se tornar político carreirista de plantão ou massa de manobra de rachas como o CEI. Política é feita em coletivo. Quem pensa em mudar a sociedade injusta e desigual em que vivemos deve também desconstruir seus próprios atos de individualismo. As divergências políticas e ideológicas são normais entre movimentos diferentes, porém, a força da unidade entre os coletivos organizados para lutar é o motor da construção das vitórias.
Entidades estudantis são organismos de representação dos e das estudantes. O papel do estudante engajado e de luta é entrar em um movimento sério e comprometido com a guerra prolongada em defesa da educação. E a partir desse movimento disputar os rumos daquelas entidades, seja em situação, seja em oposição. Agora negar entidades históricas, queimar bandeiras, depredar prédios de tais entidades, isso tudo é ação de quem não tem política para além da violência burra e fascista. Esse tipo de comportamento é o mesmo de quem defende a “escola sem partido”, então marca do PL 190 combatido pelos estudantes gaúchos. Quem tem medo das entidades estudantis? Quem tem medo do movimento estudantil organizado? Certamente não são os estudantes de luta. Pois esses já são organizados, ou estão perto de se organizar.
Organize-se: participe da luta por um movimento estudantil ou crie o seu. Construa o grêmio de sua escola. Dispute as entidades estudantis. Faça a luta ter sentido e ter conquista.
A lição das ocupações é que com luta se conquista, e só se luta de maneira organizada.
Seja estudante de luta, seja estudante organizado, seja estudante organizada!
Venha para a Ação Libertadora Estudantil!
Brasil, 28 de junho de 2016.
Direção Nacional da Ação Libertadora Estudantil